Marussa Boldrin rompe o silêncio e dá voz às milhões de mulheres vítimas de violência no Brasil

Deputada federal compartilha sua dolorosa experiência em um relacionamento abusivo e inspira mulheres a recomeçarem suas vidas


Foto: Marcelo Oliveira.

Em meio à realidade alarmante em que 21,4 milhões de brasileiras sofreram algum tipo de violência no último ano, a deputada federal Marussa Boldrin protagonizou um ato de coragem ao tornar pública sua experiência pessoal de superação. Ao romper o silêncio sobre o relacionamento abusivo que viveu por anos, Marussa oferece voz, esperança e força a tantas outras mulheres que ainda enfrentam a violência em silêncio.

"Recria tua vida, sempre, sempre", cita a parlamentar, evocando a poeta Cora Coralina, em uma mensagem de resiliência.

Uma realidade que as estatísticas não conseguem esconder
Atrás dos números frios — como os 37,5% das brasileiras que sofreram algum tipo de agressão nos últimos 12 meses, segundo a pesquisa Visível e Invisível do Fórum Brasileiro de Segurança Pública — existem histórias de dor, medo, vergonha e também de resistência. Muitas mulheres, como Marussa, ainda convivem com a violência dentro de seus próprios lares.

"Eu estive em um relacionamento abusivo. Dizer isso em voz alta já é, por si só, um ato de coragem", declara a deputada, em uma carta aberta. Sua fala reflete a realidade de milhões de brasileiras que, diariamente, enfrentam agressões físicas, psicológicas e morais de parceiros íntimos.

Da esperança à decepção: a escalada do abuso
O relato da deputada revela um ciclo doloroso, comum em relações abusivas: o início cheio de amor e planos para uma vida a dois, seguido de distanciamento emocional, desvalorização e violência.

"Me casei acreditando na parceria e no amor. Tínhamos uma filha a caminho, mas, após seu nascimento, começaram as agressões psicológicas", recorda. A mudança de comportamento do parceiro, coincidente com momentos de maior vulnerabilidade da mulher, é um padrão frequentemente observado por especialistas.

Agressões verbais, desvalorização do trabalho e humilhações públicas passaram a fazer parte da rotina de Marussa: "Insisti, mesmo quando ele me feriu com palavras e desdenhou de minha carreira", desabafa.

O silêncio como sobrevivência
Motivada pelo medo, pela vergonha e pela esperança de mudança, Marussa, como tantas mulheres, silenciou sua dor. "Me arrependo profundamente de ter me calado", afirma.

O silêncio, longe de representar aceitação, é uma estratégia de sobrevivência. A dependência emocional, a preocupação com os filhos e o temor pelo julgamento social são barreiras que impedem muitas vítimas de buscar ajuda.

Enquanto brilhava na vida pública, Marussa vivia, em casa, o seu maior pesadelo. "Enquanto eu lutava na vida pública, ele me sabotava na vida privada", resume.

O ciclo da violência: falsas promessas e nova escalada
Mesmo após descobrir uma traição, Marussa tentou reconstruir a relação, apostando em gestos de amor como a gravidez do segundo filho. Contudo, a violência apenas se intensificou.

O ciclo da violência — tensão, agressão, arrependimento e reconciliação — tornou-se uma armadilha emocional. Em vez de cessarem, os abusos se agravaram, transformando o lar em um ambiente de medo e sofrimento diário.

Segundo a pesquisa Visível e Invisível, 16,9% das mulheres brasileiras sofreram agressões físicas em 2024, representando 8,9 milhões de vítimas.

Quando o medo se concretiza
Em 2023, Marussa foi agredida fisicamente pela primeira vez. "Tive medo. Tive vergonha. Me calei mais uma vez", revela. A progressão da violência psicológica para a física é uma escalada comum em relações abusivas.

Dados do Ministério das Mulheres mostram que, em 2024, o Brasil registrou 1.450 feminicídios, além de 2.485 homicídios dolosos e lesões corporais seguidas de morte de mulheres.

A coragem da denúncia e o recomeço
O ponto de ruptura veio em 2025. Após uma nova agressão, ainda mais brutal, Marussa decidiu romper definitivamente o silêncio: "Procurei a delegacia, fiz o boletim de ocorrência e pedi medida protetiva", relata.

Denunciar não é fácil. Muitas mulheres enfrentam o medo da retaliação, a dependência financeira e a descrença na justiça. No entanto, para Marussa, a proteção dos filhos e a busca por liberdade falaram mais alto.

"Porque não cabe amor onde existe violência", afirma.

Hoje, a deputada celebra sua vitória pessoal: o divórcio foi homologado pela justiça, que reconheceu o histórico de abusos e garantiu a ela a guarda dos filhos.

Uma nova voz em defesa das mulheres
O posicionamento público de Marussa pode ter impactos ainda maiores no cenário político e social. Para o jornalista e cientista político Paulo Melo, o episódio marca uma virada importante na trajetória da deputada:

"O relato corajoso da deputada Marussa Boldrin pode, sem dúvida, fortalecer ainda mais seu trabalho tanto no campo quanto na cidade. Além disso, ela se transforma em uma voz poderosa na defesa das mulheres brasileiras. A história de superação que ela compartilhou tem potencial para inspirar uma grande mudança no país, e acredito que pode, inclusive, dar origem à 'Lei Marussa Boldrin', que endureça as penas e fortaleça as políticas de combate à violência contra as mulheres", avalia Paulo Melo.

Resistência diante dos ataques
Ciente das possíveis tentativas de exploração política de sua história, Marussa reafirma sua posição: "Eu vou resistir. Tenho a verdade e o respeito de quem conhece meu trabalho".

Mulheres públicas que denunciam violência frequentemente enfrentam tentativas de descredibilização, mas Marussa escolheu não se calar novamente.

Uma mensagem para todas as mulheres
Com firmeza e esperança, a deputada envia uma mensagem a outras mulheres:
"Se você vive algo parecido, saiba: você não está sozinha. Não tenha medo de buscar ajuda, de recomeçar."

"Hoje eu começo um novo capítulo da minha vida: de cura, de força, de dignidade", encerra Marussa, ecoando a mensagem da poetisa Cora Coralina:
"Recria tua vida, sempre, sempre. Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça."

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